Haja resistência!
Algumas crises econômicas são como aquelas ondas grandes que já nos surpreenderam pelo menos uma vez na vida. São aquelas que nos pegam pelas costas, nos erguem para o alto e nos despejam lá de cima, geralmente numa cambalhota de 180 graus. Somos lançados para o fundo, girando e girando, sem noção do que está em cima ou embaixo. A gente percebe que não adianta lutar, deixa rolar e, de repente, se vê escorregando na areia da praia. No meio da onda não dá para planejar, é só contar com reflexos adequados e manter a calma.
Essas grandes ondas – verdadeiros tsunamis -, têm ocorrido com incrível frequência na economia brasileira nos últimos anos, quando achávamos que a época dos sobressaltos dos anos oitentas e noventas tinha ficado para trás.
Três delas nos atingiram: a primeira em 2008-2009; a segunda, em 2014-2017, e, por último, a da pandemia, em 2019-2020. Para falar um pouco sobre elas, mas sem nos afogarmos num monte de tabelas e números, separamos um único indicador de atividade econômica – o consumo de energia elétrica industrial -, para ilustrar seu impacto e duração. O consumo de energia ano a ano, e a variação percentual de cada período sobre o ano anterior, estão no gráfico a seguir.
2009-2010
O período que antecedeu a essa crise foi marcado por um crescimento contínuo no consumo de energia pelas indústrias. Efetivamente, entre 2004 e 2008 tivemos uma fase de mar calmo, bom tempo e excelentes perspectivas. Entretanto, no horizonte, já se formava o primeiro tsunami. Em outubro de 2008, originado nos EUA, ele teve início com o estouro da bolha de hipotecas no mercado financeiro, e se alastrou rapidamente pelo restante do mundo. O setor industrial foi particularmente afetado, com queda de receitas e com a desvalorização cambial que se seguiu. O governo reagiu com redução do IPI em vários setores, com a redução da SELIC, e com o estímulo ao crédito farto para o consumo, mas isso não impediu uma grave queda de atividade das indústrias em 2009 (-8% no consumo de energia).
2014-2017
Impulsionada pelas medidas econômicas adotadas, houve uma rápida recuperação econômica entre 2010 e 2014. Neste período, o setor industrial brasileiro atingiu recordes de atividade sem precedentes.
Entretanto, ao final de 2014 veio a segunda grande onda, que durou mais tempo e foi ainda mais forte do que a primeira. Até o final do ano, o consumo de anual de energia cairia 2,5% em relação ao ano anterior. Em 2015 ele cairia outros 5,8% e, em 2016, mais 2,4%. Enquanto isso, o produto per capita brasileiro caia cerca de 9% no período. Estávamos atravessando a pior recessão econômica da nossa história.
Para avaliar as causas desta crise, utilizamos liberalmente um artigo do Professor Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas.
Segundo o professor, a partir de 2011/2012, o Brasil adotou políticas de forte intervenção governamental na economia que combinaram política monetária com a redução da taxa de juros e política fiscal com dirigismo no investimento. Também houve elevação de gastos, concessões de subsídios e intervenção em preços. Uma das políticas adotadas foi a redução da taxa de juros básica em 2012, num momento de aceleração da taxa de inflação. Esta mudança na política monetária fez com que a taxa de inflação acelerasse (e permanecesse em nível elevado) e reduziu a credibilidade do Banco Central, elevando o custo de combate à inflação. A política também visou a constituição de “campeões nacionais” e a escolha de “setores estratégicos”, que receberam fortes subsídios, tal como a indústria automotiva.
Essa política utilizou recursos públicos, mas não foi acompanhada por crescimento econômico, mas sim por redução da produtividade, reduzindo a capacidade de crescimento da economia. Também houve uma intervenção nos preços de combustíveis e no setor elétrico . Os efeitos da forte seca de 2012/2013 foram amplificados por erros da política energética do governo que reduziu as tarifas de energia em 2013 elevando o consumo em pleno período de escassez de água, o principal insumo da matriz energética brasileira.
A partir de 2015, a liberação de diversos preços que estavam controlados, gerou novo choque negativo sobre a economia. A dispersão e persistência desse choque de oferta fez que o Banco Central elevasse a taxa de juros para controlar a inflação.
Em 2015 houve a disparada do risco-país e uma forte contração de consumo e de investimento na nossa economia. A forte queda desses dois componentes foi relacionada com a crise de sustentabilidade da dívida pública brasileira que elevou os juros e a incerteza. O investimento se reduziu em 13,9% em 2015 e 10,6% em 2016, enquanto o consumo caiu 3,9% e 4,5%, respectivamente. O país passou a ter déficit fiscal.
Pairando sobre tudo isso, em 2016 atravessamos uma gravíssima turbulência política, que culminou com o impeachment da presidente da República em agosto.
2019-2020
A partir de 2017 o consumo de energia pelas indústrias parou de cair, mas se manteve muito abaixo do patamar da primeira metade da década. No final de 2019 surgiram os primeiros sinais da pandemia do Covid-19, que viria a ter enormes impactos na atividade econômica em 2019 e 2020, tanto no Brasil como no restante do mundo. Na realidade, no nosso caso, isso já vinha de antes, pois desde 2015 a atividade industrial vinha comprimida. Assim, em 2019, uma crise sobrepôs-se à outra.
Finalmente, em 2021 e houve uma forte recuperação da atividade industrial (e dos demais setores econômicos), em função do fim da pandemia e da demanda reprimida nos anos anteriores. Na realidade, os níveis de consumo de energia elétrica industrial retornaram aos patamares históricos de 2010-2014. Todos os setores industriais apresentaram reação, especialmente o automotivo e o de alimentação.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), “O consumo de energia elétrica no Brasil aumentou 1,5% em 2022 na comparação com 2021 e alcançou 67.275 megawatts médios. Foi o segundo ano consecutivo de alta, sinal da retomada de setores da economia que, no começo da década, atravessaram os desafios impostos pela pandemia de COVID-19.”
2023 –
Temos contudo, grandes desafios a enfrentar, porém sem o avistamento de tsunamis semelhantes no horizonte. Torcemos para que a recente falência dos dois bancos americanos e a incorporação forçada do Credit Suisse não nos desmintam. Entre as questões conhecidas, vivemos num cenário de novo governo, nova política econômica, desequilíbrio fiscal, juros altos, preços importantes ainda controlados, necessidades sociais prementes, renda média da população estagnada desde 2013, um sistema fiscal que desestimula investimentos, baixo crescimento, desaquecimento da economia americana, inflação mundial e guerra na Europa. Mas, este é o nosso dia-a-dia, nada de muito novo. Como se diz lá fora, “Business as usual ”.
Para consolo, o mar alto que enfrentamos recentemente nos ofereceu a possibilidade de ganhos de experiência e aumento da resiliência, além de aprendizado. Isso é bom, pois navegar é preciso, sempre.
Um abraço a todos.
Março, 2023.